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Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann
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4.0 A CONQUISTA CONQUISTA NEERLANDESA E O ABANDONO DO FORTE
O primeiro ataque dos neerlandeses contra os fortes portugueses do Ceilão foi dirigido à costa leste da ilha, onde os portugueses não eram tão fortes. O primeiro objetivo foi o forte de Batticaloa.
Em 9 de abril de 1638, o comandante holandês Coster chegou a Batticaloa com três navios; no dia 10 de maio, cinco outros navios holandeses chegaram ao local, e quatro dias mais tarde, foi a vez das tropas do rei de Kandy, com 15 mil homens. O forte foi bombardeado e no dia 18 de maio de 1638, após uma resistência pífia de apenas quatro horas, a guarnição do forte de Batticaloa foi forçada a se render.1 Durante o ataque holandês, cerca de 700 pessoas haviam procurado refúgio no forte, sendo 50 deles portugueses e mestiços; os restantes eram habitantes nativos que residiam na vila próxima ao forte, a qual tinha sido incendiada pouco antes do ataque dos holandeses. Todos os oficiais e soldados portugueses foram deportados para a cidade de Negapatam, que estava sob controle português, situada na costa de Coromandel, enquanto aos mestiços e aos outros habitantes de Batticaloa foi permitido permanecer no local.2 Depois da conquista, os holandeses deixaram no local uma guarnição de cem soldados sob o comando de Willem Jacobsz Coster, que havia comandado as tropas holandesas no cerco ao forte.
Como conseqüência da vitória obtida em Batticaloa, e após algumas tentativas mal sucedidas, os holandeses, sob o comando do almirante Westerwold, conseguiram fazer o rei de Kandy, Rajasinha II, assinar um tratado de aliança anti-português, no qual os holandeses prometiam se engajar na ajuda a Rajasinha II em sua guerra contra os portugueses, obtendo em troca o monopólio do rico comércio da ilha. Foi assim que, em virtude do tratado de aliança com Rajasinha, os holandeses atacaram os outros assentamentos portugueses ao longo da costa do Ceilão, com a ajuda das tropas do reino de Kandy.
O forte de Trincomalee foi o segundo objetivo a cair nas mãos dos holandeses, e foi conquistado após um curto cerco, durante o qual, segundo o que é narrado por Ribeiro, 23 soldados da guarnição portuguesa foram mortos.3
O comandante holandês Antonio Caen nos auxilia com seu diário na descrição dos eventos. Ele descreve os preparativos para o cerco, o bombardeio do forte português e a rendição da guarnição.4 A frota sob o comando de Caen era composta por 11 navios, com 353 canhões e 1280 homens a bordo, dos quais 325 eram soldados e os demais marinheiros.5 Os navios holandeses chegaram à baía de Coutijar ao anoitecer de 18 de abril de 1639, e lá os holandeses encontraram o governador de Samantura (Sammanture), que havia chegado por terra de Batticaloa. No dia seguinte, o waniya6 de Kottiyar visitou os holandeses, descrevendo com detalhes as defesas do forte e a consistência da guarnição portuguesa. De acordo com o testemunho do waniya, o forte tinha dimensões semelhantes ao de Batticaloa, contando com três bastiões. O bastião voltado para a terra e o que vigiava a baía contavam com seis canhões cada, enquanto que o bastião que controlava o mar tinha apenas dois canhões. Todas as peças de artilharia eram de ferro e haviam sido retiradas de um navio dinamarquês que tinha naufragado na baía cerca de vinte anos antes. A guarnição era composta por 40 portugueses e aproximadamente cem mestiços e negros. Além desses, havia uns 30 casados com suas famílias.
No dia 20 de abril, um grupo de soldados holandeses chefiados pelo vice-comandante Coster fez uma inspeção da defesa do forte, durante a qual foram localizados alguns pontos fracos. No dia seguinte, com dois botes, eles exploraram o lado nordeste do forte. No dia 22 de abril, cerca de 60 soldados foram desembarcados para inspecionar o forte mais de perto. Eles chegaram tão perto que a guarnição portuguesa disparou dois tiros de advertência.
No dia 23 de abril de 1639, de manhã cedo, os holandeses desembarcaram 40 marinheiros e vários soldados, os quais começaram a abrir um caminho para tornar possível o transporte de artilharia para um cerco, tendo sido escolhido um local para a instalação de uma bateria. Enquanto estes trabalhos progrediam, os portugueses do forte dispararam vários tiros de canhão e mosquete com o propósito de atrapalhar os holandeses. Um grupo de 30 negros tentou um ataque, que foi repelido pelos soldados holandeses.
Na manhã seguinte, outros marinheiros e soldados desembarcaram, os quais começaram a trabalhar na instalação de baterias. Os portugueses tentaram um novo ataque, e na escaramuça que se seguiu, um holandês foi mortalmente ferido. Os holandeses continuaram a trabalhar nas baterias durante todo o dia, e mais canhões foram desembarcados dos navios. Quando a noite chegou, a construção de três casamatas estava praticamente terminada.
No dia 25 de abril, cinco soldados da guarnição do forte desembarcaram num pequeno bote perto do local onde os holandeses estavam escavando trincheiras. Seguiu-se um enfrentamento durante o qual um soldado holandês foi ferido e um negro morreu. Apesar dessas inconveniências, ao anoitecer os holandeses haviam acabado a construção de dez canhoneiras (baterias), sendo que quatro delas já estavam cercadas por paliçadas. Durante o dia 26 houve a primeira troca de salvas de artilharia entre o forte e as baterias holandesas. Durante toda a tarde os portugueses bombardearam intensamente as posições holandesas, porém, como informa Caen em seu diário, os projéteis de canhão utilizados pelos portugueses eram, na sua maioria, feitos de pedra, o que denota a falta de balas de ferro para os canhões. Os holandeses, por seu lado, bombardearam algumas defesas que os portugueses estavam construindo perto da entrada principal do forte. A troca de tiros terminou com dois holandeses feridos e um negro morto. Subseqüentemente, outras peças de artilharia foram desembarcadas dos navios e instaladas nas baterias, que agora estavam praticamente concluídas. Para evitar qualquer tipo de comunicação ou ajuda vinda do mar para os sitiados, dois navios, o “Ryswyck” e o “Nachtegael” foram enviados para vigiar o lado do forte voltado para o mar. No dia seguinte, os trabalhos continuaram incessantemente, apesar dos tiros vindos do forte.
No dia 28 de abril, ao final da manhã, o navio “Cleyn Amsterdam” chegou de Batticaloa, com o embaixador Jacob Compostel a bordo. Ele trouxe a notícia de que Rajasinha estava envolvido no ataque aos portugueses nas cercanias de Colombo, e assim não poderia juntar-se aos holandeses. No entanto, ele informou Caen que em breve enviaria alguns mudaliyars7 com uma força de 4000 soldados para ajudá-lo no sítio a Trincomalee. As tropas holandesas sofreram muito em conseqüência do clima da região, e Caen informa que muitos homens morreram por esta razão. Decidiu-se apressar o ritmo, para que tudo estivesse pronto no dia 1° de maio. Na tarde de 28 de abril, Caen desembarcou para verificar os trabalhos. Os soldados foram organizados em três companhias formadas por 70 soldados cada uma, e, além disso, foi formada uma quarta companhia, esta composta por soldados e marinheiros. As tropas foram passadas em revista. Nos dois dias que se seguiram, os trabalhos nas baterias foram terminados e todas as peças de artilharia foram posicionadas.
Em 1° de maio de 1639, uma hora antes do alvorecer, todos os soldados foram desembarcados. Os holandeses decidiram dirigir o ataque principal contra o bastião norte8 mas ao mesmo tempo também o bastião Sta. Cruz, situado mais a oeste, foi bombardeado, para que não fosse utilizado pelos portugueses. O efeito do bombardeio nas defesas do forte foi devastador; depois de uma hora e meia de intensa troca de tiros, praticamente todas as armas portuguesas haviam sido destruídas, e a guarnição conseguia atirar somente com os mosquetes. Após três horas de bombardeio contínuo, uma larga brecha tinha sido aberta no bastião S. Jago, possibilitando que os holandeses entrassem facilmente no forte. Caen decidiu então que havia chegado a hora de enviar o tenente Blaauw com um soldado tocando um tambor e portando uma bandeira branca, para propor à guarnição portuguesa uma rendição em termos favoráveis; os negociadores, todavia, foram recebidos a tiros e forçados a uma rápida retirada. Depois deste comportamento desonroso por parte da guarnição portuguesa, o bombardeio do forte foi retomado e, após uma reunião no navio “Armuyden”, ficou decidido que, na manhã seguinte, seria preparado um ataque ao bastião S. Jago e à muralha ao lado do bastião Sta. Cruz. O bastião S. Jago foi descrito na reunião como quase inteiramente demolido, e suas armas fora de combate, já que desde as dez horas da manhã não houve qualquer disparo vindo do forte. Um plano detalhado para o assalto final ao forte foi acordado, o qual previa a participação de 514 homens, entre soldados e marinheiros.
Enquanto os preparativos dos planos do assalto estavam bem avançados, dois capitães portugueses chegaram do forte portando uma bandeira branca, enviados pelo comandante da fortificação, pedindo desculpas pela recepção anterior dada aos negociadores, a qual havia sido feita por soldados inexperientes. Caen os intimou a se renderem, dada a miserável condição à qual o forte tinha sido reduzido pela artilharia holandesa, mas eles resolutamente recusaram-se a fazê-lo, dizendo que dentro do forte havia uma guarnição de 300 portugueses, e que apenas um negro e um kanares tinham sido mortos pelos bombardeios. O comandante holandês determinou que os dois fossem colocados sob custódia e mandou continuar os preparativos para o ataque.
Na madrugada de 2 de maio, enquanto os soldados holandeses preparavam-se para o assalto definitivo, um padre e outra pessoa portando uma bandeira de trégua avançaram do forte. Eles declararam que estavam ali para negociar a rendição; os portugueses pediam para que fossem deixados livres para abandonarem o forte levando suas provisões e seus escravos, e que os pescadores (Careas) 9pudessem segui-los. Caen cedeu em parte às demandas, mas negou a permissão para que os pescadores seguissem os portugueses. Além disso, ele limitou as opções de locais para onde os portugueses poderiam ir a Tranquebar e Nagapatnam, não permitindo peremptoriamente que eles se transferissem para Jaffnapatnam ou qualquer outro lugar no Ceilão. O padre, depois de ter estas condições asseguradas pelos holandeses, retornou ao forte para relatar ao comandante português as condições da rendição. Enquanto isso, rapidamente, as tropas holandesas aproximaram-se do forte para um possível assalto. O padre retornou em seguida, entregando as chaves do forte e declarando que a guarnição havia aceitado as condições de rendição. Uma companhia de soldados holandeses entrou então no forte, ordenando que os soldados da guarnição abandonassem suas armas no forte e deixassem seus nomes num registro. O comandante do forte, Francisco Deça10 juntamente com seus capitães e soldados da guarnição, aguardaram por Caen e, como sinal de submissão, entregou a Caen sua espada. Este, em sinal de cortesia, devolveu a espada ao comandante português. Foi, portanto, em 2 de maio de 1639, depois de alguns dias de cerco11 que terminou o breve período de ocupação portuguesa em Trincomalee.
Os holandeses encontraram o forte em estado deplorável. Os canhões dos bastiões S. Jago e Sta. Cruz haviam sido arrancados de suas bases e estavam sob as ruínas da muralha.12 Segundo o testemunho de Caen, duas horas depois da ocupação do forte chegaram os reforços prometidos por Rajasinha, cerca de 3000 combatentes comandados por dois mudaliyars. Mais tarde, uma cerimônia de ação de graças pela vitória foi celebrada dentro da igreja portuguesa. As baixas holandesas foram de dois mortos e dois feridos, enquanto que no lado português morreram 11 europeus, um mestiço e dois kanars, além de nove feridos.13 Depois da conquista do forte houve alguns episódios de violência contra os habitantes portugueses, o que forçou Caen a publicar um “placaat”14 no qual ele ameaçava enforcar os culpados por tais ações, fossem eles holandeses ou cingaleses.
De acordo com a versão holandesa dos fatos, os dois mudaliyars chegaram com suas tropas logo após a ocupação do forte, e logo demandaram que este ficasse sob o controle de suas tropas. Os holandeses responderam exibindo o tratado assinado pelo rei, no qual estava claramente indicado que os fortes capturados deveriam ser ocupados por guarnições holandesas.15 Assim sendo, os holandeses se acharam no direito de ocupar o forte com sua própria guarnição. O comando da guarnição do forte ficou a cargo do fiscal Gerrit Herbers. A ocupação pelos holandeses do forte de Trincomalee, sem a cessão do mesmo as suas tropas, irritou sobremaneira o rei de Kandy, que protestou veementemente junto aos holandeses por não terem cedido aos seus desejos. Ele chegou ao ponto de bloquear o carregamento de suprimentos para as tropas da guarnição do forte, mas voltou atrás quando sua ira amainou.
No mesmo ano, os holandeses reconstruíram e reforçaram o forte, mas no ano seguinte (1640), como resultado de um acordo com os kandyanos, a edificação foi abandonada 16 e, em troca de dez elefantes, cedida ao rei de Kandy17, Poucos anos depois, o forte foi demolido (talvez em 1643) pelos kandyanos. Em 1641 também o forte de Batticaloa foi cedido aos kandyanos, que imediatamente o demoliram. A razão da cessão dos dois fortes ao rei deve ser pesquisada mais profundamente, já que, além da demanda contínua do rei pelas duas fortificações, existe o fato de que os holandeses perceberam que os territórios onde ficavam as fortificações dariam pouco lucro.18
Os portos da costa leste, Trincomalee, Kottiyar e Batticaloa, foram utilizados durante o período em que estiveram sob o controle do reino de Kandy como portos de livre comércio com os outros reinos asiáticos, assim como com outras potências da Europa, principalmente Inglaterra19 e Dinamarca, fato que irritou bastante os holandeses. Através dos três portos os kandyanos comercializavam arroz, marfim, elefantes, areca, mel, madeira, tecidos e outros bens de primeira necessidade. O porto de Kottiyar, em particular, foi intensamente utilizado pelos kandyanos. Lá existia um posto de alfândega que funcionou até 1668, ano no qual os holandeses voltaram a ocupar a região. Depois desta ocupação, a alfândega foi transferida mais para o interior da ilha, em Minneriya. Uma estrada ligava o planalto de Kandy a Matale e Kottiyar, seguindo em sua maior parte o curso do rio Mahaveli Ganga. Toda esta região utilizava o porto de Kottiyar para o comércio com o exterior. Um mercado onde a troca de mercadorias acontecia foi implantado em Killevetty, a poucas milhas da costa. Em Kottiyar estabeleceu-se também uma colônia de chetties.
Continua: A nova ocupação holandesa e a reconstrução do Forte
NOTAS:
1 Goonewardena, pág. 17.
2 Seus descendentes, aproximadamente 2000 pessoas, ainda hoje falam um português crioulo, e são católicos.
3 Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, págs. 105-106.
4 Em: J.R.A.S. (Ceylon) n°35 (1887) “The capture of Trincomalee A.D. 1639”, págs. 123-140.
5 Os nomes dos navios eram: “Utrecht”, “Henrietta Louisa”, “Egmont”, “S. Hertogenbosch”, “Wassenaar”, “Der Veer”, “Armuyden”, “Valkenburgh”, “Reyneburch”, “Onderwater”, “Zeeuwsch Nachtigael”. O diário de Caen indicava que a nave capitânia era o “Armuyden”.
6 Chefe hereditário.
7 Um chefe militar.
8 Denominado S. Jago por Caen e segundo descrição de Bocarro era chamado Sancto Antônio.
9 Casta de pescadores tamis.
10 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 817.
Francisco Deça era um homem casado de Colombo; ele logo retornaria ao Ceilão, porque ele é mencionado por Queyroz entre os feridos na batalha de Caymel (Kammala) em dezembro de 1639 (segundo Goonewardena, em janeiro de 1640 “The foundation of Dutch power…”, pág. 31), contra os holandeses. Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 823.
11 Queyroz indica a duração do cerco como sendo de 40 dias de bombardeio. O diário de Caen, entretanto, claramente relata que os holandeses chegaram a Trincomalee no dia 18 de abril de 1639, e o forte rendeu-se no dia 2 de maio (14 dias, portanto). Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 817.
12 O estado deplorável ao qual os bastiões do forte foram reduzidos deveu-se também a sua construção falha, já que as paredes continham terra no seu interior. Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, pág. 105.
13 Isto de acordo com o diário de Caen, enquanto segundo Ribeiro os mortos entre os portugueses foram 23 de um total de 50 homens da guarnição. Ribeiro “The historic tragedy of the island of Ceilão”, pág. 105.
14 Uma ordem.
15 Em: J.R.A.S. (Ceylon) n°35 (1887) “The capture of Trincomalee A.D. 1639”, págs. 123-140, também em Goonewardena, pág. 28.
16 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 848.
17 Winius “Fatal history of Portuguese Ceylon”, págs. 43-44.
18 Goonewardena, pág. 65 e nota 24, pág. 77.
19 Em 1659 chegou a Kottiyar um navio inglês, a bordo do qual estava Knox.
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