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Colonialismo neerlandês Sri Lanka

Trincomalee: A consolidação da presença neerlandesa

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Escrito por Marco Ramerini. Tradução feita por João Bergmann

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7.0 A CONSOLIDAÇÃO DA PRESENÇA NEERLANDESA

Este período de instabilidade resultou num grande decréscimo no volume do comércio em trânsito desde Trincomalee. Os números sobre este decréscimo são discrepantes, mas aparentemente nos primeiros dez anos de ocupação holandesa o comércio de roupas havia declinado de 480 mil florins holandeses quando Kottiyar estava sob domínio kandyano para 5.342 florins em 1681. A estimativa do comércio kandyano é também certamente exagerada de acordo com S. Arasaratnam, mas mesmo assim o contraste entre as duas cifras é impressionante. O reino de Kandy encontrava-se com todos os seus portos sob domínio holandês. Trincomalee, Batticaloa e Kottiyar estavam nas mãos dos holandeses, enquanto Puttalam, situado na costa oeste, era facilmente controlado pelo forte holandês de Kalpitiya. Os distritos de Trincomalee, Batticaloa e Kottiyar eram muito importantes do ponto de vista das produções agrícolas, particularmente o arroz. Além de ser auto-suficiente para a manutenção da população local e das guarnições holandesas, os produtos agrícolas eram exportados e serviam também para sustentar a cidade de Colombo.1

Do ponto de vista administrativo, a costa leste foi inicialmente colocada sob a jurisdição do comandante de Jaffna. Em 1671, porém, os holandeses instituíram um novo comando que compreendia toda a costa leste, cuja capital era Batticaloa e que incluía Trincomalee. Tal província foi abolida poucos anos mais tarde e toda a costa leste voltou a ser administrada por Jaffna. Em Trincomalee residia um “Opperhoofd”2, o qual com a ajuda de um conselho governava a cidade e vizinhanças, ficando sob a administração de Jaffna.3 No que concerne à administração da justiça no período VOC, Trincomalee era sede de um tribunal (“Landraad”). Tudo indica que os holandeses estabeleceram em Trincomalee, na segunda metade do século XVIII, uma Tribunal Superior (“Raad van Justitie”), o qual, todavia, dependia de Colombo para as causas mais importantes.4

Após a expulsão dos franceses, o forte de Trincomalee era equipado com cem peças de artilharia e uma guarnição de 350 soldados.5 Em agosto de 1696 havia nos dois fortes (Batticaloa e Trincomalee) 236 homens. Também faziam parte da força holandesa três chalupas ancoradas em Trincomalee.6 Em 1716, o forte de Trincomalee foi considerado pelo governador Becker em suficiente situação de defesa, muito embora algumas obras defensivas estivessem longe de estar concluídas. Para melhor defender a baía de Trincomalee depois do episódio francês, foi decidida a construção de outro forte além do já existente (Pagoodsberg). Neste segundo forte havia 32 peças de artilharia e 30 soldados.7 Este novo forte foi construído poucos anos após a expulsão dos franceses, num morro a leste da entrada da baía interior, para que pudesse melhor proteger o local em caso de ataques. O forte foi chamado de Oostenburg. No mesmo ano de 1716, ainda segundo as memórias do governador Becker, o forte Oostenburg é descrito como uma pequena fortaleza de pedra, situada numa elevação a leste da entrada da baía interior, cuja finalidade era a defesa do acesso à baía.8 Para evitar que forças inimigas entrassem na baía, foi construído um dique fortificado (waterpaas) no lado oeste da entrada da baía. Na ilha Dwars-in-de-weg foi instalada uma bateria de canhões. Além disso, havia outras duas fortificações no outro lado da baía (Koddiyar). Estas fortificações possuíam uma guarnição de 30 soldados e 16 canhões cada uma. No lado sul da baía Velos havia duas paliçadas, em Cuchar e Arsalari, utilizadas para fins de taxação, cada uma delas com 16 canhões e 40 soldados.9 Perto de Trincomalee, em Erekelenchene (a pouco mais de um quilômetro de Kottiyar e cerca de um quilômetro e meio ao sul da baía de Trincomalee) , os holandeses tinham construído uma trincheira.10

Em 1696, devido ao estado crítico do comércio ao longo da costa leste e face aos veementes protestos kandyanos, os holandeses decidiram reabrir ao livre comércio os portos de Kottiyar e Batticaloa, o que levou a um benefício imediato nas relações com Kandy, havendo também um evidente incremento no volume de tráfico comercial passando pelos portos acima mencionados. Kottiyar e Batticaloa voltaram a ser, juntamente com Puttalam na costa oeste, as portas de Kandy para o exterior. Infelizmente para os kandyanos, o desenvolvimento destes portos prejudicou bastante aqueles controlados diretamente pela companhia holandesa, e isto não seria admitido pelos holandeses. Assim sendo, já em 1703 a VOC decidiu fechar outra vez aqueles portos ao comércio exterior.

Após a derrota dos portugueses, a Igreja Católica foi forçada a abandonar à própria sorte os milhares de católicos convertidos, e no final do século XVII iniciou um novo apostolado no Ceilão, a partir dos frades oradores de Goa e, principalmente, graças à missão do frei João Vaz, conhecido como o Apóstolo do Ceilão. Por volta de 1695 e depois em 1710, Trincomalee foi visitada duas vezes pelo frei João Vaz. Este fundou diversas capelas na região, assim como administrou os sacramentos à comunidade católica. Além de Trincomalee, ele também esteve em Batticaloa e Kottiyar. Em carta datada de 169711, ele indicou em Kottiyar o local onde havia uma capela e uma comunidade de cem cristãos. A partir do começo do século XVIII, com regularidade incerta, foram enviados frades às regiões de Trincomalee e Kottiyar. Em 1714, outro frade, Miguel Francisco, visitou os cristãos de Trincomalee. Em 1728, ainda outro frade, João de Sá, conseguiu chegar a Trincomalee e Kottiyar apesar da vigilância dos holandeses.12 Nos anos seguintes, os contatos entre os religiosos e a população católica no distrito de Trincomalee se multiplicaram: o frade Joseph Pereira por lá esteve em 1733 – 1734, enquanto os frades Custódio Leytão, Francisco de Monroy e João da Silveira são apenas alguns dos religiosos que visitaram ou trabalharam na região de Trincomalee entre os anos de 1733 e 1762.13

O fechamento dos portos ao comércio direto com Kandy favoreceu o desenvolvimento do contrabando, o qual interessava especialmente à costa leste da ilha, aquele onde os holandeses exerciam um controle menos severo. O comércio ilegal acontecia principalmente através de três portos: Alembiel (Alampil), Chialwatte e Moletivo (Mullaitivu). A fim de estancar este tipo de comércio, foi determinado que, na mudança da monção, algumas chalupas provenientes de Jaffna navegariam pelas águas daquelas baías. Em Mullaitivu, uma baía situada a meio caminho entre Jaffna e Trincomalee, os holandeses construíram em 1715 uma pequena fortificação (tratava-se de uma pequena estrutura de madeira com paliçadas e terra), para evitar que os wannias, os mercadores muçulmanos e os chetties utilizassem aquela baía para o contrabando com Kandy. Na fortificação havia 24 soldados europeus, um alferes e dois sargentos, além de 20 lascarinos e seu comandante.14

Durante o período holandês um caminho ruim ligava Trincomalee a Jaffna, passando por Mullaitivu. Em 1749, o assentamento holandês de Tambalagama, perto de Trincomalee, foi atacado e queimado pelos kandyanos. Subseqüentemente, em 1751, os kandyanos tentaram também bloquear o comércio para Koddiyar e Tambalagama.

De acordo com o que Jan Schreuder escreveu em suas memórias, na baía de Trincomalee localizava-se um pequeno banco de pérolas, mas a renda da região provinha principalmente do arrack (uma bebida alcoólica), dos direitos de alfândega e do jardim cultivado pela companhia.15 Em suas memórias Schreuder descreveu ainda o estado das fortificações de Trincomalee: a vala do forte ainda não havia sido concluída e, devido à falta de mão-de-obra, o waterpas sob o forte de Ostenburg, assim como o forte em si, também não tinhamsido acabados.16

A partir de 1760, os ingleses freqüentemente utilizavam a baía de Trincomalee como local de ancoragem para suas próprias embarcações. Na época (1762), um enviado inglês, John Pybus, desembarcou em Kottiyar e chegou a Kandy. Esta intrusão inglesa perturbou os holandeses, que haviam declarado guerra a Kandy, pois estes temiam uma aliança entre a Inglaterra e Kandy.

Durante a guerra contra Kandy (1761 – 1766), os holandeses usavam Trincomalee como base para as incursões ao território kandyano. Em 1763, os territórios sob controle holandês estendiam-se no interior até Minneriya e Madavacchiya. Além disso, tropas holandesas de Trincomalee conseguiram ocupar Matale. Em virtude do tratado de paz de 1766, as terras de Tamblagam, Kottiyar e Kattekolapattu tornaram-se possessões holandesas. Também a área controlada pelos holandeses que incluía Batticaloa estendeu-se consideravelmente; os holandeses tomaram posse de importantes distritos agrícolas (onde o principal produto era o arroz) na área de Trincomalee e Batticaloa. O tratado de paz levou o controle holandês ainda mais longe, ao longo de toda a região costeira da ilha, resultando que Kandy encontrou-se sem uma saída para o mar, cercada pelo território da companhia. Com este tratado os holandeses controlavam totalmente o comércio kandyano, assim como as relações externas do reino de Kandy. Como se isto não bastasse, Kandy dependia da companhia para seus suprimentos essenciais de sal e peixe seco. O território ao redor de Batticaloa, que havia sido controlado pelo reino de Kandy até 1763 – 1766, era de grande importância para a subsistência do reino. Na verdade, as férteis planícies da província de Batticaloa eram conhecidas como o celeiro de Kandy. A perda do controle destas imensas planícies cultivadas aconteceu em definitivo com o tratado de 1766, o qual causou um marcante empobrecimento do reino de Kandy. Durante a guerra contra Kandy, a consistência das guarnições holandesas na ilha aumentou consideravelmente, o mesmo acontecendo com os dois principais fortes da costa leste, Trincomalee e Batticaloa. Em 1764, ambos tinham em conjunto uma guarnição de 881 soldados, dos quais 448 eram europeus, 228 orientais e 205 sepoys.17

Após a conquista dos novos territórios agrícolas na vizinhança de Trincomalee, os holandeses pensaram em restaurar os velhos reservatórios de Kantalai e Vendarasen Kulam, para novamente poder desenvolver as potencialidades agrícolas do distrito. Com o mesmo propósito, um mapa da província de Tamblegam foi feito em 1793 pelo agrimensor Struys e pelo engenheiro Fornbauer, sendo este o último comandante holandês de Trincomalee.18

Em 1777, o rei de Kandy, Kirti Sri Rajasinha, iniciou novas negociações com os franceses. Ele entrou em contato com o governador francês de Pondicherry oferecendo as baías de Trincomalee e Batticaloa em troca de ajuda francesa para expulsar os holandeses da ilha. Os franceses consideraram seriamente a oferta, mas a eclosão da guerra entre a Grã-Bretanha e a Holanda, com a França aliando-se aos holandeses, pôs um fim às negociações.

Continua: A primeira ocupação inglês ea rendição definitiva holandês

Fort Oostenburg (1726), Trincomalee, Sri Lanka. Autor Valentijn 1726c
Fort Oostenburg (1726), Trincomalee, Sri Lanka. Autor Valentijn 1726c

NOTAS:

1 “Memoirs left by Riclof van Goens, Jun. 1675-1679”. pág. 5.

2 Oficial europeu no comando de um pequeno distrito.

3 “History of Sri Lanka”, vol. II, págs. 346-347.

4 “History of Sri Lanka”, vol. II, págs. 356-374.

5 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 1196.

6 “Memoir of Thomas van Rhee, 1697”, págs. 52-53.

7 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 1196.

8 “Memoir of Becker, 1716”, págs. 26-27.

9 Queyroz “The temporal and spiritual…”, vol. III, pág. 1196.

10 Um mapa holandês é testemunha disso, o mesmo se encontra no Rijkscarchief Eerste Gedeelte, em Haia.

11 Perniola “The Catholic Church in Sri Lanka: the Dutch period, 1658-1711”, vol. I pág.122.

12 Vedi Boudens “The catholic Church in Ceylon under Dutch rule”, págs. 89-131.

13 Vedi Boudens “The catholic Church in Ceylon under Dutch rule”, págs. 132-157.

14 “Memoir of Becker, 1716”, pág. 17.

15 Schreuder, J. “Memoir of Jan Schreuder”, pág. 89.

16 Schreuder, J. “Memoir of Jan Schreuder”, págs. 91.

17 Raven-Hart “The Dutch wars with Kandy, 1764-1766”, págs. 56.

18 Brohier “Land, maps and surveys”, págs. 135-136; Brohier “Links between Sri Lanka and The Netherlands”, pág. 128.

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